Eu nem quero tentar contrariar o Tom Jobim quando ele diz que “fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho”. Só que eu vou transportar a sua fala para o voluntariado, quando afirmamos que o amor é o que move muitas das pessoas em suas atitudes na direção da justiça social e da dignidade humana.
Cabe também ressaltar que no social, já estamos aprendendo que ninguém faz nada sozinho e é muito melhor – e mais prazeroso - que instituições e pessoas se unam para buscarem juntas a superação de uma ou de várias carências sociais.
Durante a pandemia do vírus Covid 19, enquanto boa parte do poder público não sabia como chegar até os mais vulneráveis, em um momento que todo mundo ainda estava bem perdido, foram as organizações da sociedade civil, que já conhecem as características do território em que atuam e das pessoas que ali vivem e trabalham, que conseguiram chegar em cada lar.
Quando o Estado desconsidera a importância destas organizações é a escolha que se faz por trilhar um caminho obscuro. Grupos organizados juridicamente, ou até mesmo informais como os coletivos e movimentos, além das associações de bairro, fundações empresarias, grupos culturais, desportivos e até mesmo os religiosos, e diversas outras entidades, assumiram um papel que extrapolava suas atribuições para fazer o que fosse necessário para preservar e salvar vidas.
Em Minas Gerais tivemos o movimento Unindo Forças BH, que foi inicialmente constituído por sete instituições que em um único dia se organizaram e foram convidando outras mais. Em uma semana, quase duzentas instituições sociais cooperavam na campanha que previa arrecadar um milhão de reais em 40 dias e bateu esta meta nos primeiros quinze dias.
Isso se deu porque todos entenderam que cada uma, isoladamente, sair batendo de porta em porta, seria válido, mas não eficaz. A união fez com que a campanha fechasse seu prazo com o valor de dois milhões arrecadados via plataforma digital.
O Mesa Brasil, projeto excepcional mantido pelo SESC MG, foi quem ajudou a fazer as arrecadações materiais, já que há pessoas que preferem doar produtos em vez do dinheiro. Foi também a valorosa equipe do Mesa que nos conectou a diversas instituições sociais sérias que receberiam as doações e entregariam de porta em porta nas comunidades atendidas.
E iniciativas assim, com a união de esforços, é que fazem com que instituições sociais não minguem. Bem sabemos que ações assistencialistas resolvem o problema imediato, de maneira paliativa, mas que não o estingue.
Uma vez ouvi uma aula da professora Lúcia Helena Galvão, da escola de Filosofia Nova Acrópole, que dizia que é preciso enxugar o chão, mas é necessário subir ao telhado para consertar a goteira. Nunca mais esqueci o que ela havia dito. Aquilo ecoou e me incomodou.
O indivíduo que não se alimenta, morre, E morto ele não precisará de cursos de capacitação, aprimoramento, nem nada que o equivalha. O assistencialismo é importante para que tenhamos condições suficientes para subir no telhado, trocar ou arrumar as telhas que provocam o vazamento.
Mas, há ainda muitos problemas que a sociedade organizada está sendo consideravelmente importante. E vou trazer um aqui, que alia educação e segurança.
Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), em 2019 o Brasil possuía 748.009 pessoas privadas de liberdade, o que tornava a população prisional do país a terceira maior do mundo. Desse total, 222.558 (29,7%) eram provisórios, dado que indica o amplo uso do aprisionamento como medida penal mesmo antes da condenação definitiva. Além disso, o encarceramento no Brasil é seletivo, atingindo predominantemente homens jovens – os de 18 a 29 anos correspondiam a 44,8% da população prisional brasileira em 2019. (dados da apostila sobre Conselhos da Comunidade no Brasil, do Conselho Nacional de Justiça).
Para que atividades culturais, desportivas, educacionais aconteçam nas unidades prisionais, há de se ter o envolvimento de muitos atores, representantes do Executivo, Legislativo, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, coletivos e movimentos sociais, universidades, grupos religiosos, dentre outros.
Porém, quero e devo destacar a importância do trabalho dos Conselhos da Comunidade instituídos nas comarcas. Acompanhando as ações do conselho da comarca de Igarapé, vejo que a sua atuação consiste num bem coletivo, que atinge quem está atrás das grades, mas que também impacta a sociedade como um todo, mesmo que a gente não tenha nem noção disso.
Promover atividades voltadas para a população carcerária não é, de forma alguma, estimular impunidade, muito pelo contrário, é um esforço na construção de novas referências e perspectivas de vida para aqueles que um dia os presídios devolverão para a sociedade.
Ângela Davis fala em seus livros, especificamente na obra “A liberdade é uma luta constante”, que o abolicionismo penal depende do investimento que fazemos hoje no combate ao racismo e na entrega de uma educação de qualidade, sistema de saúde acessível e desenvolvimento social.